
Quando pensamos em combate a incêndios, a primeira imagem que vem à mente é, quase sempre, a do extintor de incêndio. Este equipamento, onipresente em corredores, lojas e indústrias, é a nossa primeira linha de defesa contra um princípio de incêndio. Mas você sabe exatamente qual extintor usar, quantos são necessários para o seu espaço e como eles devem ser instalados?
A resposta para todas essas perguntas no Distrito Federal está consolidada em um documento fundamental: a Norma Técnica (NT) nº 03/2015 do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF).
Esta norma não é apenas um conjunto de regras; é o manual de boas práticas que garante que, no momento crítico, o equipamento certo estará no lugar certo, em condições de uso e acessível a quem precisa. Para engenheiros, arquitetos, síndicos e gestores de segurança, dominar a NT 03/2015 é essencial.
Neste artigo, vamos dissecar os pontos mais importantes desta norma, transformando a linguagem técnica em um guia prático e extenso.
1. O Básico: Entendendo as Classes de Fogo
Antes de dimensionar os extintores, a norma exige que entendamos contra o que estamos lutando. O fogo não é todo igual; ele é classificado de acordo com o material combustível envolvido. A NT 03/2015 trabalha com três classes principais:
- Classe A: Fogo em materiais sólidos que queimam em superfície e profundidade, deixando resíduos (cinzas).
- Exemplos: Madeira, papel, tecidos, borracha.
- Classe B: Fogo em líquidos e gases inflamáveis, ou em sólidos que se liquefazem para queimar. A característica principal é não deixar resíduos.
- Exemplos: Gasolina, álcool, óleos, graxas, tintas.
- Classe C: Fogo em equipamentos e instalações elétricas energizadas.
- Exemplos: Quadros de força, motores elétricos, computadores. O grande perigo aqui é o risco de choque elétrico.
Entender a classe de fogo predominante em cada ambiente é o primeiro passo para a escolha correta do extintor.
2. A Escolha da “Munição”: Qual Agente Extintor Usar? (Tabela 1)
Com as classes de fogo em mente, a norma nos guia na seleção do agente extintor adequado através da Tabela 1. A escolha errada pode ser ineficaz ou até mesmo perigosa (como usar água em fogo de Classe C).
- Água (AP): Excelente para Classe A. Proibido para Classe C (risco de choque) e geralmente ineficaz para Classe B.
- Espuma Mecânica: Eficaz para Classe A e Classe B, pois atua por abafamento e resfriamento. Também é condutora de eletricidade e não deve ser usada na Classe C.
- Gás Carbônico (CO2): Indicado para Classe B e, principalmente, Classe C. Age por abafamento e não deixa resíduos, sendo ideal para equipamentos eletrônicos. Não é recomendado para Classe A, pois seu efeito de resfriamento é baixo.
- Pó Químico Seco BC: Eficaz para Classe B e Classe C. Não combate o fogo de Classe A em profundidade.
- Pó Químico Seco ABC: O mais versátil dos extintores. Conhecido como “extintor universal”, ele é eficaz nas três classes de fogo (A, B e C).
3. Dimensionamento: Quantos Extintores e com Qual Potência?
Aqui entramos no coração do dimensionamento, que leva em conta três fatores principais: o Risco da Edificação, a Capacidade Extintora e a Distância a ser Percorrida.
a) Risco da Edificação (Baixo, Médio ou Alto):
Este risco é determinado pela NT 02/2016-CBMDF (Risco e Carga de Incêndio). Um escritório (risco médio) precisará de extintores mais potentes ou em maior número do que um apartamento (risco baixo).
b) Capacidade Extintora (CE):
Não basta escolher o agente certo; o extintor precisa ter “poder de fogo”. A CE é uma medida de desempenho, representada por um número seguido de uma letra (ex: 2-A:20-B).
- O número antes do “A” indica a capacidade de apagar fogo em madeira. Quanto maior o número, maior a “fogueira” que ele consegue apagar.
- O número antes do “B” indica a área (em pés quadrados, por padrão da ABNT) de líquido inflamável que ele consegue extinguir.
A Tabela 2 da norma define a capacidade extintora mínima exigida para cada nível de risco. Por exemplo, uma área de risco Médio exige um extintor com capacidade mínima de 3-A para fogo Classe A e 20-B para fogo Classe B.
c) Distância Máxima a Ser Percorrida (Tabela 3):
Esta é uma das regras mais importantes para a localização dos extintores. A norma determina a distância máxima que uma pessoa deve caminhar, de qualquer ponto da edificação, para alcançar um extintor.
Para um risco Médio, por exemplo:
- A distância até um extintor para fogo Classe A não pode passar de 20 metros.
- A distância até um extintor para fogo Classe B não pode passar de 15 metros.
É com base nestes raios de ação que definimos o posicionamento estratégico dos extintores no layout de um andar.
4. Regras de Ouro da Instalação e Localização
De nada adianta ter os extintores certos se eles não estiverem acessíveis e visíveis. A norma estabelece requisitos rigorosos:
- Altura de Instalação: Se fixado na parede, a alça de manuseio do extintor deve estar a uma altura máxima de 1,60 m do piso. Sua parte inferior não pode estar a menos de 0,10 m do chão.
- Visibilidade e Acesso: Extintores devem estar em locais de passagem, visíveis e devidamente sinalizados. É proibido instalá-los:
- Em locais onde possam ser obstruídos por mercadorias ou móveis.
- No interior de escadas ou antecâmaras.
- Dentro de vagas de garagem.
- Proximidade de Entradas: Deve haver, no mínimo, um extintor localizado a não mais de 5 metros da porta de acesso principal da edificação, do pavimento ou da área de risco.
- Um por Pavimento: É obrigatória a instalação de, no mínimo, um extintor por pavimento, mesmo que a área seja pequena.
- Proteção de Riscos Especiais: Áreas como casas de caldeiras, casas de força elétrica ou centrais de GLP devem possuir extintores extras, independentemente da proteção geral do edifício.
5. Extintores Sobre Rodas: Para Riscos Elevados
Para áreas de grande risco, como postos de abastecimento, depósitos de inflamáveis e hangares, os extintores portáteis não são suficientes. Nesses casos, a norma exige o uso de extintores sobre rodas (carretas), que possuem uma carga muito maior de agente extintor e, consequentemente, uma capacidade extintora superior.
É vedado, segundo a norma, substituir um extintor sobre rodas exigido pela soma de vários extintores portáteis.
6. Certificação e Manutenção: A Garantia de Funcionamento
Por fim, a NT 03/2015 reforça a importância da manutenção. Todos os extintores devem:
- Possuir o selo de conformidade do Inmetro.
- Estar lacrados e com a pressão interna adequada.
- Respeitar os prazos de validade da carga e de inspeção, seguindo as NBRs 12962 e 12693 e sendo recarregados por empresas credenciadas pelo CBMDF.
Conclusão: O Extintor é um Sistema, Não Apenas um Objeto
A NT 03/2015-CBMDF nos ensina que a proteção por extintores é um sistema complexo. Não se trata de simplesmente comprar um cilindro vermelho e pendurá-lo na parede. Envolve análise de risco, estudo de layout, seleção técnica e um plano de manutenção rigoroso.
Seguir esta norma à risca não é apenas cumprir uma exigência legal para a obtenção de vistorias e licenças. É garantir que a primeira e mais imediata ferramenta de combate a incêndio esteja pronta para salvar vidas e proteger o patrimônio.